Há uma afirmação que diz que em
uma guerra a primeira vítima é a verdade. As operações militares na Líbia e a
resolução 1973 que lhe serve de base jurídica não são exceção a essa regra. As
informações apresentadas ao público justificando sua necessidade para proteger
a população civil que estaria sendo vítima da repressão indiscriminada do
coronel Cadafi, não se sustentam em uma análise mais apurada dos fatos. O que
se vê, na realidade, é uma ação imperialista clássica. Analisemos alguns
elementos.
Crimes
contra a humanidade
Com o objetivo de piorar o
panorama, a imprensa ocidental passa a idéia de que as centenas de milhares de
pessoas que fugiram da Líbia estavam correndo de um massacre. Agências de
notícias falavam de milhares de mortos e de “crimes contra a humanidade”. A
resolução 1970 denunciou perante a Corte Penal Internacional, possíveis
“ataques sistemáticos ou generalizados contra a população civil”.
O conflito Líbio tem na verdade
uma leitura política e, por sua vez, uma leitura em termos tribais. Os
trabalhadores imigrantes têm sido as primeiras vítimas do enfrentamento.
Bruscamente se tem visto obrigados a partir. Os combates entre os partidários
de Cadafi e os sublevados são evidentemente sangrentos, porém nunca nas
proporções anunciadas.
Apoio a
“primavera árabe”
Em seu discurso no Conselho de
Segurança da ONU, o ministro francês de Relações Exteriores, Alain Juppé, teceu
eleogios a “primavera árabe” no geral e a insurreição líbia em particular. Seu lírico discurso[1] escondia obscuras
intenções. Não disse uma só palavra sobre a sangrenta repressão no Yemen e em
Bahein, porém elogiou o rei Mohamed VI, do Marrocos, como se se tratasse de um
dos militantes revolucionários, contribuindo assim para piorar a já desastrosa
imagem da França no mundo árabe, graças ao governo de Sarkozy.
Apoio
da União Africana e da Liga Árabe
Desde o início dos
acontecimentos, França, Inglaterra e Estados Unidos não deixam de afirmar que esta
não é uma guerra ocidental, ainda que o ministro francês do Interior, Claude
Gueant, tenha falado de uma “cruzada”[2] de Nicolas Sarkozy. Esses três países
se escondem assim no apoio supostamente recebido da União Africana e da Liga
Árabe.
A realidade é que a União Africana condenou a repressão e reconheceu a legitimidade dos reclames democráticos, porém se manifestou a todo momento contra uma intervenção armada estrangeira[3]. Quanto à Liga Árabe, se trata de uma organização que reúne principalmente uma séria de regimes ameaçados por revoluções similares. Estes regimes apoiaram o princípio mesmo da contrarevolução ocidental – alguns inclusive estão participando nela no Bahrein – porém não podem chegar ao luxo de apoiar uma verdadeira guerra ocidental, porque teriam que enfrentar a uma aceleração dos movimentos de oposição interna que poderiam derrotá-los.
A realidade é que a União Africana condenou a repressão e reconheceu a legitimidade dos reclames democráticos, porém se manifestou a todo momento contra uma intervenção armada estrangeira[3]. Quanto à Liga Árabe, se trata de uma organização que reúne principalmente uma séria de regimes ameaçados por revoluções similares. Estes regimes apoiaram o princípio mesmo da contrarevolução ocidental – alguns inclusive estão participando nela no Bahrein – porém não podem chegar ao luxo de apoiar uma verdadeira guerra ocidental, porque teriam que enfrentar a uma aceleração dos movimentos de oposição interna que poderiam derrotá-los.
Reconhecimento
do Conselho Nacional Líbio de Transição
Há três zonas sublevadas na
Líbia. Um Conselho Nacional de Transição se constituiu em Bengasi. Fundiu-se
com um Governo Provisório criado pelo ministro da Justiça de Cadafi, que se
uniu aos sublevados[4]. Foi esse mesmo personagem, segundo as autoridades
búlgaras, quem organizou as torturas contra as enfermeiras búlgaras e o médico
palestino a quem o regime manteve detidos por longo tempo.
Ao outorgar seu reconhecimento
a esse Conselho Nacional Líbio de Transição e ao eximir de toda culpa ao seu
novo presidente, a coalizão de países ocidentais escolhe seus interlocutores e
os impõe aos sublevados como dirigentes. Isso lhe permite separar os
revolucionários naseristas, aos comunistas e os khomeinistas.
O objetivo é adiantar-se aos
acontecimentos e evitar o que aconteceu em Tunez e no Egito, quando os
ocidentais impuseram um governo do partido de Bem Ali, sem Bem Ali, ou um
governo de Suleiman, sem Mubarak. Governos que os revolucionários derrotaram
igualamente.
Embargo
sobre o armamento
Se o objetivo fosse proteger a
população, teria bastado instaurar um embargo dos mercenários e o armamento
destinado ao regime de Cadafi. Em vez disso o embargo se entendeu aos
sublevados para prevenir sua possível vitória sem o auxílio externo. O
verdadeiro objetivo era deter, ou retardar a revolução.
Zona de
exclusão aérea
Se o objetivo fosse proteger a
população civil, a zona de exclusão aérea se limitaria aos territórios
sublevados (como se fez no Iraque com o Kurdistão). A verdade é que a proibição
de vôo se estendeu a todo o país. Dessa maneira a coalisão espera manter a
correlação de forças em terra e dividir o país em quatro partes: as três zonas
sublevadas e a zona leal.
Esta divisão de fato da Líbia deve comparar-se a divisão do Sudão e da Costa do Marfim, primeira etapa do “redesenho da África”.
Esta divisão de fato da Líbia deve comparar-se a divisão do Sudão e da Costa do Marfim, primeira etapa do “redesenho da África”.
Congelamento
de bens
Se o objetivo fosse unicamente
proteger a população civil, se haveria ordenado apenas o congelamento dos bens
pessoais da família Cadafi e dos dignatários do regime para lhes impedir de
violar o embargo sobre o armamento. Porém esse congelamento se estendeu também
aos bens do Estado Líbio. Pelo fato de a Líbia ser um rico Estado petroleiro,
dispõe de um tesouro considerável, parte do qual está investido no Banco Del
Sur, uma instituição que se dedica ao financiamento de projetos no Terceiro
Mundo.
Como afirmou o presidente da
Venezuela, Hugo Chávez, o congelamento de bens não protegerá aos civis. Seu
objetivo é restabelecer o monopólio do Banco Mundial e do FMI.
Coalizão de voluntários
Coalizão de voluntários
Se o objetivo fosse proteger a
população civil, o encarregado de aplicar a resolução 1973 seria a ONU. Em vez
disso as operações militares estão sendo coordenadas pela US Africom e
posteriormente vão passar às mãos da OTAN[5]. É por isso que o ministro turco
das Relações Exteriores, Ahmed Davutoglu, se indignou ante a iniciativa
francesa exigiu explicações de parte da OTAN.
De
maneira mais direta, o primeiro ministro russo, Vladimir Putin, classificou a
resolução 1973 como “viciada e inadequada. Qualquer um que a leia percebe que
autoriza quem quer que seja a tomar medidas contra um Estado soberano. Tudo
isso me recorda ao mandato medieval das cruzadas”[6], concluiu Putin.
[1] Texto na íntegra do discurso de Alain Juppé, nos debates do Conselho de Segurança da ONU e o texto da resolução em «Résolution 1973», Réseau Voltaire, 17 de março de 2011.
[4] Para mais detalhes, ver «Proche-Orient:
la contre-révolution d’Obama», por Thierry Meyssan, Réseau
Voltaire, 16 de março de 2011.
[5] «Washington regarde se lever “l’aube de l’odyssée” africaine», por
Thierry Meyssan, Réseau Voltaire, 19 de
março de 2011.
[6] «Remarks on the situation in Libya», por Vladimir V. Poutine, Réseau
Voltaire, 21 de março de 2011.
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