"A campanha “Para Mudar, Reforma Política já!” entrou em seu momento decisivo. Após uma fase de estudos e debates, entre dezenas de organizações e entidades da sociedade civil, que começou ainda em 2004, os grupos envolvidos buscam agora um total de 1,5 milhão de assinaturas para poder apresentar os projetos de lei de
iniciativa popular junto ao Congresso Nacional.
Por trás da campanha, está a Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político, composta por 36 entidades. A compreensão sobre sistema político é ampla, tanto que o documento que orienta a articulação dos grupos tem cinco eixos centrais, que vão desde reforma no processo eleitoral até mudanças nos serviços de comunicação e no Poder Judiciário, buscando mais transparência e democracia.
“Uma das estratégias da Plataforma foi o lançamento da iniciativa popular, centrando em dois eixos, que são democracia direta e democracia participativa”, explica José Antônio Moroni, do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) e um dos coordenadores da Plataforma. A ideia é criar um clima semelhante ao que possibilitou a aprovação, pelo Congresso Nacional, da Lei da Ficha Limpa, em 2010. Resultado de uma ampla mobilização popular, que se converteu em projeto de lei complementar, a medida torna inelegível por oito anos um candidato que tiver o mandato cassado, renunciar para evitar cassação ou ser condenado por decisão de órgão colegiado (com mais de um juiz), mesmo sem decisão terminativa.
Para subsidiar o debate, a Plataforma lançou, no dia 17 de outubro, em Brasília, uma cartilha e dois vídeos, explicitando os principais pontos defendidos pelas organizações. “A linguagem dos vídeos e da cartilha tem esse viés da educação popular, da formação para grupos. Não é só coleta de assinaturas, mas formação política”, pontua Moroni. Os materiais e a ficha de assinatura da Iniciativa Popular estão no site da campanha.
Democracia sem povo
O primeiro diagnóstico sobre as limitações da democracia brasileira tem a ver com a pouca participação popular nas decisões que mudam os destinos do país. “A nossa democracia é toda representativa e isso cria um afastamento total das decisões por parte da população. A maioria é chamada a cada quatro anos para votar, mas não há mecanismo de decisão do próprio povo”, critica Moroni.
A preocupação é compartilhada também por parlamentares. A deputada federal Érika Kokay (PT-DF) sugere o fortalecimento de espaços onde já atua a sociedade civil. “É preciso avançar na construção de instâncias permanentes de participação e decisão popular, o orçamento participativo é um bom exemplo, que deveria ser nacionalizado. Temos também a experiência das conferências temáticas, mas é preciso que elas tenham uma possibilidade mais real, que as resoluções aprovadas sejam transformadas em políticas públicas sem intermediação”, enumera. “A legislação tem que dar caminhos para que a população tome suas próprias decisões, na sua região, na sua cidade. Isso fortalece a consciência políticas das pessoas”, afirma o deputado federal Ronaldo Benedet (PMDB-SC).
José Antônio Moroni, do Inesc, diz que um dos pontos da proposta dos movimentos sociais é garantir que a convocação de plebiscitos e referendos populares também seja uma prerrogativa da população. “Atualmente, só o parlamento pode convocar esse tipo de consulta”, observa.
A deputada federal Jô Moraes (PCdoB-MG) vai além. Para ela, os projetos de iniciativa popular, como este que a plataforma pretende apresentar, não deveriam ter a exigência de 1,5 milhão de assinaturas. “O primeiro passo é reduzir [a exigência] para 150 mil assinaturas. O segundo passo é reforçar as instâncias de controle social criadas pela nossa República, como os conselhos (municipais, estaduais e federais) temáticos de saúde, educação, meio ambiente, etc. Mas esses conselhos têm de ter poder deliberativo, sem o atrelamento à estrutura do Poder Executivo”, defende.
Financiamento público
Outro aspecto encampado pela Plataforma trata do financiamento das campanhas eleitorais. Moroni diz que, no país, o sistema eleitoral é elitizado e não representa a diversidade da sociedade brasileira. “O que define a representação é o poder econômico, que não financia determinados segmentos da população e por isso que há desigualdade social, racial, de gênero e étnica nos espaços de poder”, analisa. “Se somarmos o conjunto dos trabalhadores, não chegamos a 120 cadeiras no parlamento, mesmo representando 75% da força de trabalho”, compara Jô Moraes (PCdoB-MG). Para Érika Kokay (PTDF), o poder econômico constrói uma “muralha” contra a democracia. “Para mim, o ponto estruturante da reforma política é o financiamento público exclusivo de campanha”, afirma.
O deputado Henrique Fontana (PTRS), relator da Comissão Especial da Reforma Política no Congresso aposta nessa mudança como algo crucial. “O abuso do poder econômico termina escolhendo candidatos muito mais pela capacidade de arrecadação do que pelas ideias que eles defendem. E isto desequilibra, é uma democracia de desiguais”, reflete. “O que corrige essas questões é o financiamento público exclusivo, com teto de gastos e forte diminuição dos custos de campanha”, propõe.
Parlamentares que vivem na pele a influência do poderio econômico sentem a necessidade de avançar nesse tema. “Acompanhei eleições em vários municípios e vi a forma como são feitas, o preço das campanhas. Considero um grande equívoco manter o sistema eleitoral do jeito que está. Não é verdade que ele dá a mesma oportunidade”, diz a deputada Rosane Ferreira (PVPR). “Atualmente, as campanhas já são públicas, porque os que tentam se reeleger usam a máquina pública e os que não estão na máquina recebem financiamento de empresa privada que será cobrado depois em fraudes diversas. Isso é a maioria”, completa.
Disputa de ideias
Além das distorções causadas pela influência econômica, o sistema político carece de partidos com “organicidade”, reconhecem parlamentares e especialistas. “A maioria dos partidos não tem programa, não tem ideologia, a maioria sequer tem densidade social e política. São agremiações que se reúnem porque ter partido é requisito para disputar eleição”, critica José Antônio Moroni, do Inesc.
Por causa disso, o número alto de partidos políticos não expressa riqueza programática no campo político. Só no registro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) são 30 agremiações existentes no país. “Quais desses 30 têm vida orgânica?”, questiona Rosane Ferreira (PV-PR). “Hoje, os partidos, por algumas circunstâncias históricas, têm pouca identidade programática. Eles se formam mais por dissidências intestinas de grandes agremiações do que por novos projetos. Em torno de um novo projeto para o Brasil, há pouco debate na formação dos partidos”, examina Jô Moraes, deputada do PCdoB-MG.
Uma das ideias da reforma política é acabar com as coligações para eleições proporcionais, que são aquelas que elegem vereadores e deputados federais e estaduais. A medida divide até mesmo os partidos menores, que seriam os mais atingidos. “Temos de ter a coligação puro-sangue, em que os partidos como PSC, PRB, entre outros, teriam chapa completa. Isso ia distinguir os pequenos partidos fisiológicos, de gaveta, dos partidos com densidade”, defende Rosane Ferreira (PV-PR). Na coligação proporcional, a soma dos votos da aliança dos partidos coligados favorece todas as legendas envolvidas. Sem esse benefício, partidos pequenos, com menor densidade eleitoral, dificilmente conseguiriam eleger parlamentares, pois não alcançariam o coeficiente eleitoral exigido."
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